Transbordando

Você toma aquele banho, veste uma roupa bonita, passa aquele perfume pensando no cheiro que vai receber no pescoço, e na sua cabeça esta tudo indo bem. Até que um dia você escuta desse alguém as palavras “tanto faz”, “pode ser”, “você que sabe”, e tem outras que não me recordo agora. Essas palavras me fazem pensar no vazio em que elas representam. Você põe varias ideias na mesa e a pessoa a sua frente não põe nenhuma, e ela olha as suas ideias e pra ela tanto faz. Logicamente, pra essa pessoa, tanto faz sua companhia, tanto faz ou pode ser, ou você que sabe, não existe uma troca de ideias ou ate mesmo uma conexão. Você espera a pessoa se impor, se importar, se dizer, se mostrar, e ela esta contida dentro de si mesma só respirando. Uma hora pessoas vazias cansam. Uma hora alguém que se impõe vai tomar o seu lugar, e vai te encontrar, cheiroso e arrumadinho te esperando no banco da praça para uma conversa interessante, e vai entrar num consenso de para onde devemos ir. Um dia você vai encontrar alguém que esteja transbordando, e não derretendo.

Despercebido

Ando na rua depressa. Não olho muito para os lados, e meu olhar nunca esta centrado em algo. Às vezes quando olho pra alguém e este alguém esta me olhando, tiro logo o olhar, pois sinto medo. É como se eu não fizesse mais parte deste mundo. Tudo e todos a qualquer momento podem me machucar. Tenho medo do que vão pensar de mim, minhas roupas, meu jeito, meu cabelo, sério demais, não tão sério. Às vezes ajudo um velhinho a atravessar a rua e me imagino na velhice sozinho, será que vão me ajudar quando eu estiver velho também, me sinto tão bem por ajudar, mas triste, pois me vejo daquela forma no futuro. De noite em casa deitado na minha cama, sinto a solidão me assombrar. Estar sozinho não é bom, principalmente quando você não tem ninguém, nem um desconhecido para conversar, apenas escrever em um blog ou fazer um desenho pra tentar colocar o que estou sentindo pra fora para amenizar um pouco a solidão. Às vezes abro os olhos e fico olhando para o teto o dia inteiro e fico imaginando um monte de possibilidades, e todas elas descem pelo ralo. Tento conhecer pessoas, e quando me perguntam se estou bem eu digo que estou, pois não quero ter o trabalho de explicar o porquê de não estar bem, sendo que as pessoas nem ficam na minha vida por muito tempo. As pessoas estão sendo muito automáticas ultimamente, tenho reparado que às vezes quando recebo um bom dia, automaticamente desejo um bom dia também, mas será que estou sendo sincero? Estou me isolando das pessoas cada vez mais, e sinto como é o peso da solidão a cada dia que se passa, e cada vez mais isso só aumenta. Por isso ando na rua depressa, sem olhar muito para os lados, não pretendo me enganchar, não pretendo ser um marco na vida de ninguém, e assim não vou ser como a maioria que tenta e ao invés de marcar, suja sua vida e depois te esquece.

Francisco

Ainda lembro-me do desastre que aconteceu contigo. E talvez a sua família até hoje sinta que foi um erro vocês terem saído de são Paulo pra vir morar aqui em Mossoró em busca de uma vida mais tranquila, em busca de segurança. Lembro-me muito daquele tempo, ficou muito marcado na minha memoria. Vivia brincando na rua com os irmãos de Francisco, que tinham a mesma idade que eu, entre 5 a 6 anos. Eles tinham muitos brinquedos, tinham vídeo game. Francisco o irmão mais velho dos meus amigos, era viciado no vídeo game. Jogava em casa, jogava na locadora. Mas certo dia, um viciado em drogas, começou a persegui-lo, e tentou entrar na cabeça daquele jovem através dos jogos. Estava brincando com os irmãos dele na rua, quando a sua família deu falta de Francisco. Já era tarde e ele nunca tinha feito isso. No dia seguinte seu corpo foi encontrado dentro de um tanque no meio do mato, todo esquartejado. E o cara lá, viciado, estava desaparecido. Francisco foi abusado sexualmente, e o preço do seu silêncio foi sua morte. Muitas vezes eu passava pela calçada e perguntava a Francisco pelos irmãos dele, e ele era sempre tão gentil. Imaginar que aquele olhar daquele menino que só tinha 14 anos foi apagado, e seus sonhos foram juntos, me deixava triste. A rua toda estava empestada de gente, querendo saber de mais noticias. A família estava devastada, destruída pelo que tinha acontecido. Eu era apenas uma criança, e queria que aquelas pessoas saíssem dali. Elas não o conheciam, só parecia um monte de urubus atrás da carniça. Sempre me lembro de você Francisco, tão jovem, e tão lindo. Acredito que já fazem quase 20 anos ou mais da sua morte. E ainda me lembro. Em pensar que muitas vezes brinquei também na casa do seu assassino, com o sobrinho dele, me faz pensar que também poderia ter sido comigo. Então fiquei com um pouco da sua dor em meu coração. Espero que Deus esteja cuidando de ti aonde quer que estejas. E peço perdão pelo meu estado, pela minha cidade, você veio de tão longe morrer aqui. Perdão por não termos dado a segurança que sua família precisou.